A Goiabeira ou A Morte do Amor
Depois de ser excretado impiedosamente pela Esfinge, nosso herói vagueia pelo deserto, sem rumo. A sua ida até ali estava arruinada, e ele não esperava mais nada além do encontro com a morte. Durante dias, o silêncio imperava, e o mais interessante que tinha acontecido foi um diálogo com uma miragem:
- Oi! Que coincidência te encontrar aqui!!
-Pois é, menino... De férias nada pra fazer... E vc?
-Ah...- deu um muxoxo nosso herói – Eu vim pra enfrentar a Esfinge, mas ela tava meio doida.
- Ih, menino!! Ela é assim mesmo!! É de lua. Tem hora que endoida de vez!!! Tem nada não, fica um pouco aqui comigo.
-Tá bão... To meio perdido mesmo...
-Chega mais perto...
Depois de alguns minutos, ele diz:
-Sabe que vc me lembra um pouco a esfinge?
Mas ela tinha sumido... Desapareceu como tinha vindo. Na esperança dela voltar, ele resolve deixar uma lembrança, um presente: Um pingente sem forma definido, que um conhecido disse que ele tinha feito, mas era do mundo.
Vagueou sozinho por mais dois dias sem encontrar nada, naquela aridez, um silêncio sepulcral, esperando encontrar um oásis. Parecia que aquele deserto não tinha fim. E ele impaciente:
-Putz, a morte só atrasa na minha vez?!?!
Naquela noite, quando tentava amenizar o frio, encontrou novamente a miragem. Foi um baque. Nunca esperava encontrar a mesma miragem num deserto tão grande.
-Que diabo ela ta fazendo aqui? – pensou.
Ficou em choque por uns minutos. Ela tb pareceu surpresa, mas ele não conseguiu descobrir o que ela sentiu. Mas parece que não tinha mais nada pra se falar. Se olharam, cumprimentaram meio frios e com e viraram de costas um pro outro. Qd estava quente o suficiente, ele resolveu ir-se embora e saiu sem olhar pra trás. Mas tinha chegado a hora dela tb ela se levantou, veio falou com ele, meio timidamente, meio trôpega, e seguiu seu caminho.
Acordou com de um sonho com o sol nas fuças. Foi um sonho bizarro, como tudo naquele lugar. Sonhou que estava numa praia, de armadura e tudo. O sol iluminava tudo, mas, ao olhar pra cima pra contemplá-lo, viu que era a Lua que estava lá. Achou meio estranho parou pra três anões que passavam, cada um com oito cigarros em cada mão que cantavam: “Lá vem o sol, tchutchura, lá vem o sol!! Eu já sei!”.
-Hei, é impressão minha ou é a Lua que está lá em cima?
Os três responderam ao mesmo tempo:
-É. É a lua: “Lá vai a lua, tchutchura, lá vai a Lua”.
-Mas isso não é estranho?
-Estranho é vc com essa cara de bundão olhando lá pra cima.
Tragaram todos os cigarros ao mesmo tempo, soltaram uma baforada na cara dele e recomeçaram:
-“Lá vem o sol, tchutchura, lá vem o sol!! Eu já sei!”.
Ele se irritou com aquilo, pegou uma mamadeira e os derreteu com leite de avestruz. Deitou-se na areia e ficou contemplando a Lua. Mas poucos instantes depois, ela começou a amarelar, a esquentar e aumentar de tamanho. E ele acordou com o sol nas fuças. Levantou-se, porque tinha que levantar, e olhou ao redor. Não que esperasse encontra alguma coisa, foi por instinto. Mas encontrou. Lá longe, quase a perder de vista, viu uma árvore. Tomou um susto. Ela não estava aí ontem.
-Bom, tenho nada pra fazer mesmo.
E se arrastou até ela. Chegou muito mais rápido do que esperava, como se corresse freneticamente ao invés de se arrastar. Foi chegando mais perto, e já podia vê-la nitidamente:
-Hum... Outra miragem... Uma goiabeira. Como uma goiabeira ia crescer aqui?
Chegou sob a sobra da goiabeira, que não diminuía em nada o calor que estava sentindo. Olhou pra cima procurando alguma coisa pra comer e teve certeza:
-É. É uma miragem. Nascem morangos ao invés de goiabas.
-Miragem é sua mãe!
-E é nervosinha!!! Olha, minha filha, tu é uma miragem. Uma goiabeira que nasce nessa secura e que, ainda por cima, dá morangos? Só pede ser miragem.
-E tu? Um cavaleiro sem cavalo? Também é miragem?
-Mas como é burra... Não sabe que sou um cavaleiro andante? Portanto, tenho que andar.
-E depois eu é que sou burra... Aliás, burra não. Burro.
_Ih... é sapata, é?
-Não, cretino. Mas meu gênero é masculino. Sou uma goiabeira pq sou seu.
-Meu?!?! E o que és?
-Ai meu deus... Tem gente que passa a vida me procurando e o espertalhão aqui nem sabe quem sou... Descubra.
Lembrando da sua aventura com a Esfinge, ele recuou instintivamente e gritou:
-Não!! De novo não!! Não sem luta!!
-Putz... Mermão, eu não sou a Esfinge não. Não vou te devorar. Pelo menos, não da forma convencional...
-Olha lá!!! Eu sou macho!!
-Eu não tenho sexo.
-Coitado... Há quanto tempo não tem sexo? E não tem nem mão, né?Hei!! Como sabe da Esfinge?
-Bom, a primeira parte eu vou ignorar. A segunda é... Bem, andei dando uma passada no coração da Esfinge, a seu mando, pra ver se podia germinar lá, mas não deu. O solo não tava preparado pra mim.
-No coração da Esfinge? Eu mandei?
-Mandou.
-Mas nem te conhecia antes!!
-Conhecia, mas de outra forma.
-E porque pro coração?!? Já sei!! És o colesterol!! E na minha enorme sapiência, mandei-te pra lá pra que pudesse derrotá-la e eu poder passar!!!
-Puta que pariu, meu filho!! Tu é nasceu burro assim mesmo, ou fez faculdade pra isso? E vc sabe que não queria derrotá-la... Nem queria passar... Aquilo foi uma desculpa pra chegar até ela... Vc queira era ficar ao lado dela... Contemplado... Sentindo sua presença...
Estupefato, nosso herói ficou sem palavras. Aquele era seu grande segredo. Não havia contado a ninguém. Como uma porra duma goiabeira que dava morangos no meio do deserto poderia saber aquilo?
-Como? Como eu sei? Sei pq estou dentro de vc.
-Epa, mermão! É a segunda vez que vc vem com esse papo estranho. Já lhe disse que sou macho. Se vc tá sem sexo há muito tempo, o problema é seu.
A goiabeira desceu a galhada nele. Escolheu um dos galhos mais fortes, com mais morangos e picou a porra na cara dele. Nenhum dos morangos caiu. Ele não deveria ter sentido quase nada, a armadura deveria ter protegido. Mas sentiu uma dor aguda, no fundo do estômago (a porrada não tinha sido na cara?) e demorou pra se recompor.
-Desculpa, mas vc, mereceu.
-Pq? – perguntou nosso herói, tentando disfarçar a dor.
-Pq és muito estúpido. Fica falando absurdos e não sem nem ao menos quem sou!?!? E fui criado por vc!!
-Olha aqui, Mestre dos Magos, sem mais enigmas. Da última vez, me dei mal. Fala duma vez que porra que vc é.
-Tá bom... Que coisa mais sem graça. Bom, lá vai: Sou o porque da contemplação. A razão da sensibilidade do toque. Sou o que dá morangos ao invés de goiabas. Sou o único e real motivo pelo qual vc veio procurar a Esfinge.
-Ah! Se foda!! Cansei de seus enig... – e ele entendeu... a verdade nua na sua frente. Era ele!! O motivo do seu desespero! A razão pela qual estava ali, perdido num deserto, sozinho, sem comida, nem água! Uma raiva surda cresceu do seu estômago, ainda dolorido. Foi subindo até lhe deixar com um no na garganta e embotar os sentidos. Só pensava em vingança. E, num ato de desespero, decidiu matá-lo.
-Não conseguirás.
-Ah não, filho da puta?
E num golpe só, dilacerou a goiabeira por completo. Ela caiu, sem um ruído, no solo. Os morangos começaram a murchar. Ele estava pronto pra cantar vitória, quando a goiabeira desapareceu por completo e uma dor, ainda maior, muito maior, no seu estômago, o fez curvar-se pra frente. A dor estava a se tornar insuportável, ele já sentia que ia desmaiar quando algo subiu pelo seu estômago, queimando seu esôfago, garganta e boca e vomitou desesperadamente. Sentindo que algo sólido saia de sua boca ele enfim desmaiou. Qd acordou, procurou vestígios da goiabeira, mas tudo que achou, foi uma semente amorfa no solo. No mesmo instante em que seus olhos tocaram a semente, ela vibrou um pouco, se enterrou na areia e começou a crescer. Ele recuou assustado, sem acreditar no que via. Ali estava ela de novo. Na sua frente a Goiabeira. Viva. Sem um arranhão.
-Eu te disse...
Desolado, levantou-se pesadamente, pegou sua espada, embainhou, olhou pra goiabeira uma última vez, virou-se de costas e saiu andando. Mas tinha a nítida impressão de que não conseguia se afastar da Goiabeira. Sentia sua presença por todo lugar. Sentia ainda mais forte dentro de si. Olhou o horizonte e pareceu-lhe que via a miragem, afastando-se dele e caminhando em direção a Esfinge.
-Afinal, eram a mesma pessoa...
Sentou-se e chorou.
(Créditos da idéia dos morangos num pé de goiaba a Vitor Freire)
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