quarta-feira, dezembro 22, 2004

O Jovem e o Sábio
Um jovem galgava os últimos metros de uma serra íngreme. Era um lugar ermo, esquecido por deus e pelos Homens, a não ser um, onde até os animais relutavam ir por não ter muito que fazer por lá. O coração do jovem batia acelerado, não só do esforço de subir a serra, mas pela sensação de estar chegando ao fim da sua busca. Pois ali naquela serra, dizia-se, morava um velho sábio. Um sábio, de idade indizível, que depois de adquirir todo o conhecimento do mundo, descobriu a inutilidade daquilo, do mundo e do conhecimento, e foi em busca de conhecer a si próprio. Este velho sábio, dizia a lenda, sabia a resposta pra todos os questionamentos do mundo e, por isso, declarou-se inútil a ele. Alguns diziam que ele não existia, não passava de lenda ou de um engodo, porque qualquer um que soubesse a resposta de tudo ia naturalmente buscar o poder, e que se ele sabia tanto e foi-se era porque, na realidade, era muito burro. Outros que ele havia existido sim, mas a essa altura já deveria ter morrido, o que prova que ele não sabia TODA as respostas. Mas o nosso jovem não se deixou abater. Desde que havia ouvido a história, algo se remexeu dentro dele. Uma certeza que aquela história era real e que o velho estava vivo ainda e que, de alguma maneira, estava ligado ao seu destino. E partiu. Deixou tudo pra trás. Não sabemos exatamente o que era esse tudo, mas diz-se que eram as coisas essenciais. Trabalho, carreira, dinheiro, uma mulher plástica, pra combinar com seu cartão de crédito e sua própria plasticidade e outras coisas que os humanos se acostumaram a passar a vida em busca. E depois de anos procurando, buscando informações aqui e ali, seguindo o rastro quase apagado e esquecido, ali está ele. Na porta da gruta onde habita o ser mais sábio do planeta. O ser que sabe a resposta de todas as coisas. Aquele que poderia lhe dar o mundo. Solenemente, com a respiração suspensa, ele entra na escuridão que sai da boca da gruta. Pé ante pé ele entra no seu destino e vê, ao fundo, uma luzinha fraca, que luta bravamente pra vencer as trevas ao seu redor. Ao lado do lume, ele vê o que a principio parece um pacote embrulhado no chão com um trapo velho. Mas ele percebe que, na extremidade superior do pacote brilham dois olhos. O impacto daqueles olhos é tal que ele para estatelado para, em seguida, lançar-se ao solo de joelhos:
- Mestre!
O velho levanta, apesar de isso não ter alterado muito seu tamanho, e caminha em direção ao jovem. Põe a mão no seu ombro e, suavemente, o faz levantar e o conduz até umas pedras. Sentam-se os dois, um de frente pro outro.
- Caminhei muito para encontrá-lo, mestre. Vim fazer-lhe uma pergunta. Sei que o senhor sabe todas as respostas.
O mestre, cujas cordas vocais não eram usadas há anos, responde com dificuldade:
- Eu sei meu filho. É pra isso que todos vem. Pode perguntar. De fato, eu sei todas as respostas.
- Mestre, eu quero nunca envelhecer. Não quero nunca ficar velho. Não quero sentir minha pele enrugando e ficando flácida, não quero ver meus dentes e cabelos caindo, não quero perder minha virilidade e força, meus ossos fracos, as pessoas me relegando a um canto qualquer. Eu não quero ver meu ocaso, eu NÃO POSSO FICAR VELHO, MESTRE!! Você pode me ajudar?
- Claro, meu filho, é claro que posso. Claro que posso fazer você não envelhecer. Mas você tem certeza disso? Você está pronto pra isso, meu jovem? Está pronto para as consequências?
- Estou mestre! - diz o jovem sentindo uma alegria que quase o leva a loucura - Mas pronto do que nunca! Mais pronto do que NUNCA!! - E levanta-se erguendo os braços pra cima.
O Mestre não titubeia. Com uma agilidade insuspeita, saca de debaixo da manta uma escopeta, cano serrado, polida e bem azeitada e descarrega no peito do jovem, deixando lá um abismo devastador. Ele voa pra trás, gruda na parede rochosa da gruta e vai escorregando bem devagar em direção ao chão, ainda com uma expressão de alegria infinita no rosto. O mestre se aproxima, fecha carinhosamente seus olhos, lhe dá um beijo na testa e diz:
- Pronto, meu filho. Seu desejo está satisfeito.

2 Comentários:

Blogger Menina Marota disse...

... a eterna juventude... um sonho irreal, porque afinal é tão bom envelhecer...vivo!

Gostei da história ;)

5:42 AM  
Blogger [[cleo]] disse...

Esta história, deixa qualquer um a pensar!...
Afinal, só morrendo novo, é que não se chega a ver aquilo que o passar do tempo faz com o nosso corpo... é que não se assiste ao lento envelhecer.
Gostei!!

Um beijo soprado

2:20 AM  

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